Meta literária


Um texto de Toinho Castro

Fim de ano chegando, enquanto enfrento graciosamente o calhamaço muito bem escrito de Um defeito de cor, da Ana Maria Gonçalves, e recebo um e-mail da Estante Virtual, a me desafiar com as Metas literárias para 2024. E eu fico a me perguntar, em que esquina errada nós viramos para existir tal coisa como meta literária. O inferno da produtividade invadiu o campo solene da leitura. Que triste.

Vejo muita gente a se gabar da quantidade de livros que lê por mês, por semana. E frases como esse livro dá pra ler numa tarde são ditas por aí cada vez com mais falta de vergonha. Como se estivéssemos numa olimpíada cronometrada de leitura. ou como se trabalhássemos, de fralda, na Amazon, com cotas de caixas de papelão para enfiar em caminhões.

Os atletas das páginas correm por aí, lendo, ou melhor, corroendo livros como a ferrugem consumindo o casco dos navios largados na Baía da Guanabara. Como uma praga de gafanhotos devorando plantações de eucaliptos e circulando suados e angustiados de alegria na bienal do livro com aquele clima de véspera do apocalipse, do meteoro ou do aniversário do supermercado Guanabara. Porque é preciso ler o livro, ter o livro, devorar o livro e empilhá-lo sobre outros livros devorados no campo de batalha, marcando na lataria do avião o número de livros abatidos.

Já eu… danem-se as metas. Assusto-me com metas. Ainda mais no campo da literatura. Eu, que não trabalho em editora ou livraria, nem percorro os corredores aflitos das bienais e festas literárias, não me importo com metas. Sou um preguiçoso literário, um procrastinador literário. Alguém que lê pouco, aos poucos, delicadamente, me distraindo com o mundo, que volta e meia arranca meus olhos da página.

Pressa alguma tenho em ler um livro. Concurso algum me espera com respostas imediatas sobre a autoria, a narrativa, o número de parágrafos e letras. Leio como quem anda de bicicleta no Aterro no domingo, como quem come um madrileño na Confeitaria Manon, num fim de tarde, ou um acarajé no Largo da Carioca, coisa que farei hoje, com meu amigo Edmilson Santini, que certamente jogará alguns versos ao vento que sopra naquelas paragens em dias de sol.

No mais, bem sei que cada um lê como quer, movido a Instagram e TikTok, ou no compasso preguiçoso das horas que custam a passar, porque, afinal, nada custam. Vou decepcionar a Estante Virtual, não cumprirei as metas por não tê-las e creio que serei demitido do departamento de leitura da contemporaneidade.

Terei que ler do melhor jeito que se tem pra ler, às escondidas. Sem que ninguém saiba, terei um livro na mochila, pra ler demoradamente, interrompidamente, quando ninguém estiver olhando; como se houvesse amanhã e outros amanhãs.

Em suma, um vagabundo, um flâneur literário.


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